domingo, fevereiro 04, 2007

Ter ou Ser?

O fenômeno social não é novo. Uma visão rápida da história mostra-nos que a sociedade há muito cultua a posse de bens como forma de alguns indivíduos se posicionarem acima de outros menos favorecidos economicamente. A literatura é uma boa fonte de informações sobre o assunto. A Comédia Humana de Balzac dá-nos inúmeros exemplos de como os franceses da época valorizaram bens e títulos. O próprio autor vivia atordoado por cobradores para poder fazer uso dos símbolos sociais em voga. A ânsia de status é antiga, mas creio que atualmente tem como conseqüência uma inversão quase total nos valores. Cresci numa época pós-hippie e fui influenciada pela contracultura que pregava a paz e o amor ao invés das riquezas materiais. Época na qual buscávamos ser o mais autêntico possível e que eram consideradas feias as ostentações. Todavia, essa tribo foi sucedida nos anos 80 pelos yuppies - geração de riquinhos americanos entre 20 e 40 anos que seguiam a moda em todos os sentidos. O capitalismo era então assumido entre os jovens sem disfarces. E o consumo passou a ser incentivado pela mídia de forma avassaladora. Hoje, se encontra no ápice. Não condeno quem gosta de se vestir e de comer bem, ou ainda de oferecer o melhor aos filhos. Mas deploro essa insanidade que acomete as pessoas ao acharem que a aquisição de bens, o uso de certas griffes e a demonstração de riqueza as tornam melhores. Sinto até piedade de alguns, pois se mostram o quão frágeis são ao se apegarem a ícones do consumo para encobrir uma auto-estima baixa. Não sou santa, não. Também cometo meus pecadilhos nesta área, mas não aquilato as pessoas pelo que elas têm, e sim pelo que são. Claro que admiro o sucesso como resultado de trabalho e talento, porém meus olhos buscam sempre as qualidades interiores. Inteligência, generosidade, humildade, sensibilidade e gentileza em uma pessoa são a mim mais atraentes. Gestos nobres me encantam; pessoas simples me comovem. O que mais aflige é perceber que ao se priorizar o "ter" tudo passa a ser justificado para a obtenção dos símbolos de status. Não importa se você corrompe ou é corrompido; não importa se você pisa no pescoço de um concorrente para conseguir um cargo; não importa a maneira como você consegue. Importa que você consiga alcançar o patamar almejado. Numa distorção de valores preocupante. Entretanto, consola-me saber que existem pessoas construindo pontes que os levem aos semelhantes, através da religião, do autoconhecimento, da dedicação às crianças e aos adolescentes carentes material e afetuosamente. Gente exercendo o amor no sentido maior. Conforta-me perceber jovens e adultos aprimorando-se como seres humanos e vencendo preconceitos; deitando olhares de compreensão e ternura sobre os outros. Acredito que compete a cada um de nós, que conseguimos ver o perigo nesse consumismo doentio, focarmos a riqueza interior de cada indivíduo e fazermos ver como é mais valiosa a sinceridade de um gesto terno do que um "prêmio" ganho desonestamente que venha atrair para quem recebe o seu inferninho particular. Cabem aos formadores de opinião, aos professores e aos pais a missão de ressaltar os valores reais antes que a sociedade se deteriore definitivamente, pois ser bom é bem mais vantajoso para a humanidade do que ter bens, afinal não se consegue paz de espírito comprando o carro mais caro, e sim, cultivando virtudes que servirão a todos.

Evelyne Furtado.
Texto publicado no Jornal Gazeta do Oeste em 04/02/07

Um comentário:

Anônimo disse...

Num mundo onde a aparência, o poder e os bens materiais superam a virtude e a moral, você mostra em linhas, o verdadeiro poder do ser humano: a simplicidade de saber ser feliz. Masi uma vez parabéns por cultivar dentro de você a simplicidade das coisas boas.