A convite de minha amiga Leonor Cordeiro e do seu lindo blog Na Dança Das Palavras, trago um artigo sobre Cecília Meireles, escrito por mim em 2006, para o Jornal Gazeta do Oeste.
Retrato de Mulher - Cecília Meireles
Evelyne Furtado
Cronista
Especial para a GAZETA
Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro em 1901. Veio ao mundo órfã de pai. A mãe, ela perdeu aos três anos. Cecília cresceu com a forte noção de transitoriedade. As perdas foram absorvidas na essência, pela menina que aos nove anos escreveu seu primeiro poema.
O contato com a efemeridade e a solidão deu o tom do seu canto revestido de singular lirismo. Em o 4º Motivo da Rosa, a fugacidade é assim enaltecida: "Não te aflijas com a pétala que voa / também é ser, deixar de ser assim / Rosas verá, só de cinzas franzida / mortas, intactas pelo teu jardim / Eu deixo aroma até nos meus espinhos / ao longe, o vento vai falando de mim / E por perder-me é que vão me lembrando / por desfolhar-me é que não tenho fim".
A singeleza dos seus versos é ornada de beleza natural. Cecília é simples e bela em poesia e prosa. Seus poemas encantam crianças e adultos. Isto ou Aquilo, primeiro poema que li da autora, ainda nos primeiros anos de escola, traz uma das lições mais básicas da vida: ensina de forma lúdica que não podemos ter tudo. Se o doce nos satisfaz, temos que pagar por seu sabor. Se voarmos, perderemos a segurança do solo. A vida é feita de escolhas e tudo tem um preço.
Uma geração cantou Cecília sem saber. Nos anos 70, Raimundo Fagner "emprestou" lindos versos do poema Marchas para sua canção Canteiro e esqueceu de dar o crédito à poetisa. Esse assunto foi resolvido e o compositor pagou pelo esquecimento. Restaram, para nossa sorte, os olhos fechados de quem pensa com saudade em alguém que ama.
A poeta da segunda fase do modernismo não teve vergonha de ser poetisa. Não escondeu sua condição feminina, ao contrário ela falou do universo feminino com transparência. Mostra-se mulher que ama, sofre e sonha em seus textos, quando abre o mar com as próprias mãos para depositar seu sonho de amor.
Cecília fala de vestidos, de espírito, de espelhos e de dor. Qualquer mulher se identifica com seu Retrato e se comove com a autora quando ela busca a face da juventude perdida, não reconhecendo a imagem madura refletida. Diz assim o poema:
"Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?"
A nossa poetisa discorre sobre a vida e a morte sem afetação, mas teve reconhecimento da crítica literária. O crítico e tradutor Paulo Rónai assim a julgou:
"Considero o lirismo de Cecília Meireles o mais elevado da moderna poesia de língua portuguesa. Nenhum outro poeta iguala o seu desprendimento, a sua fluidez, o seu poder transfigurador, a sua simplicidade e seu preciosismo, porque Cecília, só ela, se cerca da nossa poesia primitiva e do nosso lirismo espontâneo... A poesia de Cecília Meireles é uma das mais puras, belas e válidas manifestações da literatura contemporânea".
Eu não poderia discordar de Rónai. Não apenas por sua intelectualidade embasada, mas também por ver assim a poesia de Cecília.
Cecília Meireles foi educadora e escreveu sobre educação. Foi professora de escola do bairro e lecionou Literatura Luso-brasileira na Universidade do Distrito Federal, hoje URFJ. Foi agente ativa na vida cultural do País no século passado. Não se prendeu ao Brasil. Viajou, cambiou culturas. Ganhou prêmios importantes, como os dois Jabutis concedidos pela Academia Brasileira de Letras: o primeiro, por tradução e, o segundo, por sua poesia. Este último, no ano de sua morte.
A escritora admirada também foi "tiete" e conta-se que em uma ocasião em Lisboa marcou um encontro com Fernando Pessoa, no café A Brasileira, freqüentado por Pessoa e onde hoje se encontra uma escultura do poeta entre as mesas da calçada.
Cecília foi ao encontro na hora marcada e esperou por duas horas em vão. Ao retornar ao hotel, entregaram-lhe um livro do poeta português com as suas desculpas. Ele não cumprira o combinado, pois seu horóscopo não recomendava encontros naquele dia. Uma pena!
Assim é Cecília: profissional dedicada, poetisa primorosa, esposa e mãe. Mulher inteira, suave e forte. Simples e por isso mesmo especial.
Morreu em 1964, mas ainda está entre nós como bem disse Mário Quintana em sua terna homenagem: "Nem tudo estará perdido / Enquanto nossos lábios não esquecerem teu nome: Cecília...".
Arrebentação
Há 4 semanas
3 comentários:
Querida Evelyne,
Foi muito bom quando receber a sua participação nessa blogagem coletiva .
Nossa amizade que nasceu nesse mundo virtual, depois de vários anos de caminhada demonstra que os laços que nos une são reais e duradouros.
Você me mostrou essa crônica em 2006. Na época comentamos sobre o encotro frustrado entre Cecília e Pessoa.
Quando você fala sobre Cecília para os leitores da GAZETA, ajuda a perpetuar a sua memória e a sua obra.
Aceite meu abraço e carinho.
Leonor, vocè é muito querida! Foi um prazer participar da blogagem coletiva por Cecília e por você. Eu lembro que nos falamos nessa época. Estou de repouso ( um pé fraturado) que incomoda e me tira um pouco da net (repouso), por isso usei o texto já publicado, que tem pelo menos dois momentos poéticos lindos de Cecília.
Um beijo, minha amiga e obrigada por tudo. Fique bem, viu?
Evelyne
Amei sua crônica falando de Cecilia Meireles.
Parabéns !
Melhoras para seu pé.
Pronta recuperação.
Grande abraço e boa semana
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