terça-feira, outubro 31, 2006

Fantasia e Realidade




O real, em mim, confunde-se com o imaginário. Sou de fácil sedução e a fantasia é parte do material que me faz.Não que eu não resista. Resisto e muito. Mas ela vem e me entrego.Vôo alto e geralmente caio.
É paradoxal, pois os pés permanecem no chão, como se raízes os prendessem enquanto o coração e a cabeça habitam nuvens lindas, macias, idílicas.
Vou ao inferno também quando pego carona em fantasias cruéis, que não são minhas e maltratam.Dessas eu nem quero falar, para não alimentá-las.Deixo-as quietinhas, não quero alvoroçá-las.
Divido-me e às vezes estanco. Não avanço muito no caminho real, embora ao céu voaria num Concorde, se ainda existisse. Para ser mais coerente com o texto voaria num cavalo alado, ou melhor, nos braços de Eros, como Psiquê.
Os meus castelos de areia ,ergo-os sem ao menos perceber, mas a força da vida quase sempre os destroem e nesse momento a dor é real e pungente.
Visto a fantasia para sobreviver e gosto, todavia ao fugir da realidade para não sofrer, sofro muito mais quando a ilusão se desfaz.
Quero mesmo é sonhar sonhos possíveis de realizar e fazer escolhas conscientes, mas nem por isso menos líricas.
Quero amigos de verdade, aqueles que me aceitam como sou, que não são as melhores pessoas do mundo, mas as melhores do meu mundo.
Quero a família que tenho, com passado e futuro. Com afagos, farras homéricas, discursos, risadas, abraços, choros, raivas, solidariedade e amor no cotidiano.
Não quero príncipe, nem sapos.Quero você, com tudo que vejo de bom e com seus pequenos defeitos, que não são maiores que o meu amor e que perdem feio para suas qualidades. Quero você ao meu lado e sonhando junto a mim.
Só peço que respeite esse amor semeado entre abraços, beijos, descobertas, promessas. Entre choro e riso; entre trocas de fluidos e de almas.
Na peleja pelo equilíbrio entre os desejos de paz, amor e liberdade, perco o sono do qual necessito não só para repousar, mas principalmente para dar vazão ao inconsciente, pois também valorizo meus sonhos adormecidos.Eles perturbam-me, assombram-me e deleitam-me. Neles refaço-me, perco-me, acho-me e cresço.
Busco um sentido para essas manifestações oníricas de forma empírica: ora em Freud, ora em Jung, ora em mim mesma e, bem ou mal os traduzo.
A vida é dura e suas cores são fortes. A imaginação compõe nosso ser, mas não substitui a realidade. Mesclar a fantasia com o real é saudável, não se vence as dificuldades apenas sonhando, porém eu não suportaria os raios ultra-violetas sem meus filtros solares.
Em Clarice Lispector encontrei Lalande e lá me refugio de vez em quando.Com Clarice identifico-me quando ela “diz: “Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada."
Assim, venho dando um trabalho enorme ao meu terapeuta, para quem sou quase uma mulher de Almodóvar: intensa, romântica, apaixonada. Mas faço justiça: ele tem muitos méritos na incansável luta de me tornar mais assertiva, menos voadora.
Estou tentando e anseio enfim, perder o medo de viver, aproveitar o melhor da vida e aprender com o que ela não tem de tão bom assim. E sonhar sim, sonhos realizáveis.

Evelyne Furtado
Natal, 31 de outubro de 2006.

Um comentário:

Anônimo disse...

Evely,
Linda essa crônica! Como você dispõe fácil das palavras, colocando-as exatamente como todos nós gostaríamos de colocar! Um dom apenas para quem tem, na pele, a sensibilidade das grandes estrêlas.